quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Anotação #5

Anotação #5 – Sobre os privilégios da longevidade, o impulso da tradução e traduções poéticas, arte-subversivas e não litero-subserviente

Algumas traduções demoram dias, meses, anos para serem solucionadas e mesmo assim há sempre a possibilidade de uma nova saída. “Uma das poucas vantagens da longevidade é a de poder reconfigurar conceitos e preconceitos, uma disposição que me fez reconciliar-me com poetas aparentemente tão distantes dos meus projetos juvenis de poesía como Rilke e Byron, por exemplo. Considero um privilegio ter sobrevivido para reavaliá-los e valorizá-los como merecem”, escreve Augusto de Campos em “Byron e Keats, Entreversos” (Editora Unicamp, 2009).
Levando em consideração que trata-se aqui de Lingua Viva, logo a existencia de uma tradução também não invalida uma posterior. “Sempre que tomei conhecimento prévio de textos traduzidos por Décio [Pignatari] e Haroldo [de Campos], tirei o time de campo, tal a excelencia de suas recriações. Não refazer o que já foi bem feito ou melor é para mim uma regra inteligente, embora não inflexivel, de ‘economía processual’. Uma ou outra infração a essa norma, não pressentida por mim, pode ter ocorrido aquí e ali. Tomo-as como reverberações de um mesmo impulso tradutório. E espero que o leitor assim as acolha, tirando quem sabe algum proveito dessas nossas eventuais ‘bi’ ou ‘triduções’, para usar uma expressão pignatariana. Têm elas, no fundo, análogos principios – traduções poéticas, arte-subversivas e não litero-subserviente -, o que favorece a coexistencia de diferentes interpretações dos mesmos textos”.
Lembro que, ao traduzir aquele “Este lado da verdade” (http://www.facebook.com/note.php?note_id=121764368527), do Dylan Thomas (já traduzido por Ivan Junqueira), superei o medo de traduzir um poema já traduzido.
Sobre subserviência, no artigo Translation and Creation (http://phbritto.org/?p=17), o Paulo Henriques Britto observa que a relação/oposição entre original/tradução, autor/tradutor é uma construção tão ideológica quanto a dicotomia senhor/escravo, colonizador/colonizado, em uma relação de hierarquia, subordinação e autoridade, como se o texto traduzido não tivesse (tanta) importancia frente ao texto original. O tradutor um escravo do texto/autor original, um ser colonizado por outra lingua.

Dois exemplos do trabalho de Augusto de Campos nesse livro, o primeiro a partir de um poema de Byron, o segundo, a partir de Keats.

I have not loved the world, nor the world me,
but let us part fair foes; I do believe,
though I have found them not, that there may be
words which are things, hopes which will not deceive,
and virtues which are merciful, or weave
snares for the failing: I would also deem
o'er others' griefs that some sincerely grieve;
that two, or one, are almost what they seem,
that goodness is no name, and happiness no dream.
Byron, Childe Harold

O mundo, eu não o amei, nem ele a mim,
Bons inimigos, vamos sem rancor.
Não as achei, mas creio que há, enfim,
Palavras que são coisas, vi a cor
Da esperança e cheguei mesmo a supor
Virtudes sem perjurio ou falsidade;
Nos prantos dos demais vislumbro dor
Em dois ou três, e penso, de verdade,
Que o bem pode existir e assim felicidade.

* * *

Heard melodies are sweet, but those unheard
Are sweeter; therefore, ye soft pipes, play on;
Not to the sensual ear, but, more endear'd,
Pipe to the spirit ditties of no tone:
Fair youth, beneath the trees, thou canst not leave
Thy song, nor ever can those trees be bare;
Bold Lover, never, never canst thou kiss,
Though winning near the goal—yet, do not grieve;
She cannot fade, though thou hast not thy bliss,
For ever wilt thou love, and she be fair!
Keats, Ode on a Grecian urn

A música seduz. Mas ainda é mais cara
Se não se ouve. Dai-nos, flautas, vosso tom;
Não para o ouvido. Dai-nos a canção mais rara,
O supremo saber da música sem som:
Joven cantor, não há como parar a dança,
A flor não murcha, a árvore não se desnuda;
Amante afoito, se o teu beijo não alcança
A amada meta, não sou eu quem te lamente:
Se não chegas ao fim, ela também não muda,
É sempre jovem e a amarás eternamente.

Um comentário:

Anônimo disse...

interessante seu blog.