segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Anotação #2

Anotação #2 – “I work in concentration”

A idéia do tradutor traidor nasce com a igreja e a necessidade de perpetuar ipsis litteris a bíblia; ou a um período de valorização exagerada (?) dos autores – para Borges, autor = “escritor anterior”, mais que os textos, quando o tradutor seria um mal necessário, se interrompendo entre o texto original e o leitor.

Em “Las dos maneras de traducir” (1926), Borges lembra que na tradução clássica importam menos os escritores que os textos. A literatura é anônima e de todos; os textos, rascunhos que admitem sempre uma correção [aqui no sentido de permitir várias interpretações].

Borges lembra que a personalidade dos seres humanos é essencialmente feita de momentos e como estes é algo mudável, sujeito à mudança, contraditório, pontual. Não existe nada capaz de definir a um individuo para sempre; somos uma construção parcial. O conceito de texto definitivo corresponderia à religião (enquanto dogma) e ao cansaço (criativo).

“Qual tradução é fiel? Todas, e nenhuma”, diz Borges.

Sobre as traduções de sua própria obra: “Ele [o tradutor] conhece o texto melhor que eu, que o escrevi apenas uma vez. Ele – que o leu e teve de traduzi-lo, pode explicá-lo com maior propriedade, pois trato de esquecer o texto logo que escrevo”.

Para Borges, as melhores traduções não são as que simplesmente restabelecem o significado ou as palavras do original, mas aquelas mais agradáveis de ler, as melhores escritas. “É preciso afirmar a figura do autor onde ela está firme – o texto original, e apagá-lo onde ela é confusa – a tradução”.

Preservados os limites da tradução, dentro do que Borges chamou de “infidelidade criadora”, a tradução pretende (note: verbo que significa também “fingir”) reproduzir uma emoção estética tão verossímil quanto o texto original: quanto mais literal (no sentido de mecânica) a tradução, maior a sua infidelidade.

Boris Schnaiderman, na apresentação das suas traduções de Maiakovski – este, considerados por muitos intraduzível, frisa que as dificuldades da tradução representam um desafio que deve ser enfrentado. “Se não encontramos correspondência exata entre o coloquial russo e a linguagem cotidiana de outros países, temos de procurar soluções que mais se aproximem desse ideal, e que possam comunicar não apenas o sentido de uma expressão, mas também o tom, a atmosfera, o conjunto da realidade de um texto”.

E ainda: “Pouco adiantaria transmitir apenas o conteúdo de seus poemas, pois traduções desse tipo tornaram-se responsáveis pela impressão que alguns leitores têm, em nosso meio, de que Maiakovski teria sido um poeta gritador e retórico, sem maiores contribuições à linguagem poética”. A tradução como recriação, segundo Schnaiderman, nesse caso, constitui o caminho da verdadeira fidelidade ao texto.

“I work in concentration”, dizia Ezra Pound, explicando que o método adequado de estudar literatura (creio que podemos usar o mesmo para a tradução) seria o dos biologistas: exame cuidadoso e objetivo da matéria, e continua comparação.

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